sábado, 24 de janeiro de 2009

Pequenina crônica de 98 ou 99...

TODOS ARTISTAS

- Alô...
- Alô, aqui é da Tinhos Fofinhos Produções Artísticas.
- De onde?
- Tinhos Fofinhos Produções Artísticas, meu senhor.
- Ah, certo.
- Boa tarde.
- Boa.
- Gostaria de falar com o Sr. Luís Presley.
- Sou eu.
- Sr. Presley, me chamo Cleosvaldo Nunes. O senhor assobia e chupa cana?
- Olha aqui, seu cretino, vai se danar! Que tipo de pergunta é essa?
- Calma, Sr. Presley. É que me disseram...
- Te disseram o quê, palhaço?
- Me disseram que o senhor assobiava e chupava cana... Que o senhor é um multi-artista, um artista multimídia, multi-funções, multi-talentos...
- Esse mundo está mesmo perdido. Onde é que você viu isso? Aliás, quem te disse isso, seu...
- Nunes, Sr. Nunes. Bom, eu acabo de ler isso em sua ficha.
- Ficha, mas que ficha? Você é da polícia, do SPC, da minha agência bancária?
- Não, não sou. Sou da Tinhos...
- Corta essa!
- Sou da Tinhos Fofinhos Produções Artísticas. Estamos nas páginas amarelas...
- Aguarda aí.
- Ai meu Deus...
- O que você disse?
- Nada não, senhor.
- Bem, vocês estão aqui nas páginas amarelas sim. O que você quer?
- Sr. Presley, calma... O senhor asso-bi-a e chu-pa ca-na ou não?
- Se estivesse aqui eu partiria a sua cara...
- Senhor, isso é muito sério.
- Claro que é, eu quebraria mesmo a sua cara.
- Olha aqui, senhor, esquece isso... Tá bem? Foi um engano. Boa tarde.

Que panaca, pensou o Presley. Ele, um artista em ascensão no meio independente, se prestando a esse tipo de coisa.

Partiu resmungando rumo ao trabalho. Pagou a condução com seu mirrado dinheiro e chegou ao teatro onde, mais tarde, encenaria uma montagem de Chapeuzinho Vermelho. Fazia uma árvore... Uma árvore única, achava.

Dois dias depois se deparou com uma nova revista na banca de jornais. A capa trazia escrito: João Meloso, o primeiro brasileiro a assobiar e a chupar cana ao mesmo tempo! Como subtítulo: Saiba tudo sobre a vida desse maravilhoso novo artista.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Yo, Suriname

Querida, vamos nos mudar para o Suriname?
Eu, você, sua mãe, sua tia...
Vamos ser o que sempre quisemos?
Trópicos mais trópicos, febre amarela,
enguias, gula e sexo.
Vamos nos mudar para o Suriname, baby.
Visitar o Panamá, não o Canadá, e praticar
swing, como sempre quisemos.
Mataremos sua mãe e sua tia, herdaremos
o mundo, e compraremos o Suriname.
Vamos?

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Voz Sua

Não somos parecidos,
a sua solução não me
serve e seu latim não
me convence.
O seu exemplo é apenas
triste; segue feliz, amigo.

A Inútil Jihad

Temos um compromisso
com os insolúveis dramas
que são nossas vidas.
Esta noite, todas as noites
por vir até o fim dos dias,
contemplaremos o que nos
faz sofrer, nós mesmos, com
o mesmo mórbido tesão melancólico
que nos empurra ao nada; isto
parece o certo, parece ser o nosso
destino. Não há uma só partícula
de pureza sem que haja o broto
da mácula, a potência destrutiva,
nossa degradante natureza.
Não há uma só existência que
passe por este plano sem contribuir
para dor, destruição e caos.
É apenas triste concluir que este
é nosso destino e que nos debatemos
inutilmente forjando interesse em
interferir de maneira definitiva para
uma história com fim conhecido.

Thoreau

Se a injustiça é parte do inevitável atrito no
funcionamento da máquina governamental, que seja
assim: talvez ela acabe suavizando-se com o desgaste -
certamente a máquina ficará desajustada.

Se a injustiça for uma peça dotada de uma mola exclusiva
- ou roldana, ou corda, ou manivela -, aí então talvez
seja válido julgar se o remédio não será pior do que o mal;
mas se ela for de tal natureza que exija que você seja o
agente de uma injustiça para outros, digo, então, que se
transgrida a lei.

Faça da sua vida um contra-atrito que pare a máquina.
O que preciso fazer é cuidar para que de modo algum
eu participe das misérias que condeno.


- A Desobediência Civil, Henry David Thoreau, 1848.

Etimologia de Pedagogia

Quem não sabe, ensina.
Eu posso ensinar a você um zilhão
de coisas a tornar sua vida melhor,
sou capaz disso.
Eu sou capaz de guiar os cegos de
cegueiras mais complexas por períodos
mais que complicados, estar por perto,
segurar suas mãos enquanto choram
por medo da vida, e suceder.
Posso suceder em aconselhar, treinar,
ouvir, racionalizar abstrações e ponderar
prós e contras, desde que se trate do outro,
de você e de seus problemas.
Eu consigo ficar acordado por quarenta
e nova horas ininterruptas enquanto você
dói, focado em seu bem-estar, e não reclamar
por desconforto físico ou emocional.
Eu posso todas estas proezas quando diz
respeito a qualquer um no planeta que não eu.
Absolutamente qualquer um.